No julgamento da ADPF 493, em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela não recepção, pela Constituição de 1988, dos artigos 1º e 32 do Decreto-Lei nº 204/1967, que proibia a instituição de sorteios por vigoravam os estados e apenas os existentes à época da publicação do referido decreto-lei. Na prática, tais dispositivos estabeleciam o “monopólio” da União sobre os serviços lotéricos.
As teses que sustentam essa decisão do STF, segundo voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do processo, são as seguintes:
1) a exploração de loterias tem natureza jurídica de serviço público (art. 175, caput, da CF/88), haja vista a existência de previsão legal expressa;
2) os artigos 1.º e 32.º do Decreto-Lei n.º. 204/1967, ao estabelecer a exclusividade da União na prestação dos serviços lotéricos, não foram acolhidas pela Constituição Federal de 1988, pois colidem frontalmente com o artigo 25, § 1º, da CF/88, ao esvaziar a competência constitucional subsidiária dos Estados Membros para a prestação de serviços públicos que não tenham sido expressamente reservados pelo texto constitucional à exploração da União (art. 21 da CF/88);
3) a competência privada para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX, da CF/88) não exclui a competência material dos Estados para explorar atividades lotéricas nem a competência regulamentar dessa exploração. Por essa razão, a Súmula Vinculante 2 não trata da competência material dos Estados para instituir sorteios no âmbito federal, ainda que tal materialização se expresse por meio de decretos ou leis estaduais, distritais ou municipais; e
4) por outro lado, as leis estaduais que instituissem as loterias, seja por lei estadual ou por decreto, deveriam simplesmente possibilitar o exercício de sua competência material como instituição de serviço público de titularidade do Estado-membro, de modo que somente a União pode definir as modalidades de atividades lotéricas que podem ser exploradas pelos estados.
Em consonância com o acima decidido, deve ser interpretada a Lei Federal nº 13.756, de 12.12.2018. Este diploma estabelece as modalidades de lotarias permitidas, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, abaixo transcrito:
“Art. 14. O produto da arrecadação total obtida com a captação de apostas ou venda de bilhetes de loteria, em meio físico ou virtual, será destinado na forma prevista neste Capítulo, observado o disposto no Capítulo V deste Lei ou em lei específica. § 1º São consideradas modalidades de loteria: I – loteria federal (tipo passivo): loteria em que o apostador adquire um bilhete já numerado, em meio físico (impresso) ou virtual (eletrônico); II – loteria de previsões numéricas: loteria na qual o apostador tenta prever quais números serão sorteados na disputa; III – sorteio de prognóstico específico: sorteio instituído pela Lei nº 11.345, de 14 de setembro de 2006; IV – loteria de prognósticos esportivos: loteria em que o apostador tenta prever o resultado de eventos esportivos; e V – loteria instantânea exclusiva (Lotex): loteria que mostra imediatamente se o apostador ganhou ou não um prêmio.”
Embora algumas das modalidades supracitadas sejam definidas pela legislação federal como exclusivas da União (é o caso da loteria passiva descrita no inciso I do § 1º do art. , e o sorteio de cotas fixas previsto no art. 29 [1], todos da Lei 13.756/2018), não parece correto.
Tanto que alguns estados autorizaram a realização de concessões incluindo todos os tipos de loterias admitidos pela legislação federal, ainda que alguns desses tipos sejam qualificados, por essa mesma legislação, como exclusivos da União.
O estado de São Paulo, por exemplo, publicou o Decreto nº 66.524, de 23.02.2022, que autoriza a concessão dos seguintes tipos de loterias (art. 1º):
“I – loteria de apostas de cotas fixas; II – sorteio de prognóstico específico; III – loteria de prognósticos esportivos; IV – sorteio de predição numérica; V – sorteio instantâneo; VI – loteria passiva.”
No mesmo sentido, o Distrito Federal promulgou a Lei nº 7.155, de 10.06.2022, que institui o Serviço Público de Loterias do Distrito Federal, que consiste em “jogo ou aposta que envolva empate, concurso de prognóstico numérico, concurso de prognóstico específico, prognóstico esportivo e instantâneo sorteio” (art. 1º, parágrafo único).
Mais sucintamente, a Lei nº 11.236, de 18.01.2021, do Espírito Santo estabelece que este ente federativo “explorará, direta ou indiretamente, as mesmas modalidades de loterias que tenham sido legalizadas pela União” (art. 1º, caput); e a Lei nº 5.720, de 23/09/2021, de Mato Grosso do Sul, estabelece que o estado explorará “direta ou indiretamente as mesmas modalidades de atividades lotéricas definidas